“O fato é que a vida toda a gente é excluída, em desigualdade de direitos, desde que nasce”

Há quatro anos à frente da Associação Vitória da Ilha do Pavão, Sandra Ferreira, 49 anos, casada, mãe, luta diariamente para fazer valer os direitos da comunidade. “Quando eu assumi, a Ilha estava em total miséria, um desespero. As pessoas tinham ido embora pela dificuldade de moradia. É a única ilha pobre do arquipélago e a menor, aqui não tem mansões. Aqui só tem a parte pobre. Eu coloquei no meu coração o desejo de reerguer a ilha”, conta.
Mas os desafios são gigantes, a Sandra, que é professora de escola de educação infantil e há 14 anos mantém um projeto bolsa solidária com kit de higiene para mulheres em situação de rua, encontra dificuldades até onde seria o certo ter apoio, inclusive com entidades e órgãos públicos.
“Muitas vezes passam pelos direitos das pessoas. Acham que por você ser pobre, não tem o direito de ter uma geladeira boa, utensílios, enfim, quem deveria nos ajudar, são os que menos ajudam. É o meu desafio do dia a dia, além de ir atrás de comida para as pessoas, cursos de qualificação para geração de renda e dignidade”, desabafa.

Foi em cima disso que ela conseguiu trazer as pessoas de volta para Ilha, “conseguimos reformar a Associação e aqui dentro temos projetos de costura, da padaria, de informática para as crianças e também para a comunidade utilizar”, completa. Além disso, desenvolve a horta comunitária e a reforma da pracinha. No entanto, a falta de renda ainda é o fator mais preocupante. A maioria era da reciclagem e com as mudanças, com exigência de CNPJ, teve que parar de trabalhar.


Para Sandra, o trabalho comunitário realizado pelas mulheres é importante porque elas não cansam dos problemas, não têm medo do desafio e das transformações. “Eu não sei se isso é bom ou se é ruim, mas o fato é que a vida toda a gente é excluída, em desigualdade de direitos, desde que nasceu, desde que assinalaram ali que a gente era do sexo feminino, a gente entrou na linha de exclusão. Mas nós mulheres somos sobreviventes, resilientes. A gente se adapta. E essa adaptação não é conformismo, é uma forma de não desistir. Eu adoro esse poder que temos de nos adaptar, e naquele momento que acham que a gente é fraca, é quando se mostra a força. Quando vejo que a minha guerra está perdida, eu imploro, eu choro, e se for preciso se fazer de fraca pra conseguir as coisas, eu vou fazer. Antes a gente não aparecia. Agora a gente grita mais alto. Estamos tomando conta do lugar que é nosso. Não nos importamos com os adjetivos”.
Para encerrar, Sandra, que admira e se inspira na ex-primeira-dama dos EUA, Michelle Obama, compara a comunidade com a sua casa. “Se a gente arruma a casa, a gente arruma a casa por dentro, por fora. A comunidade é isso. A nossa casa. Ninguém tem o poder de organização maior que nós, mulheres. O que falta pra nós mulheres é respeito. Você se forma, estuda, se destaca, mas quando te olham e veem que você é negra e isso não está no perfil de uma vaga de trabalho, não te respeitam”.

Texto: Cátia Chagas – Comunicação Misturaí

Imagens: Arquivo Pessoal